Substâncias usadas para o tratamento da disfunção erétil, como o Viagra (sildenafil) podem estar associadas com uma redução dos casos de Alzheimer na terceira idade. Um novo estudo publicado neste mês na revista científica Neurology acompanhou mais de 260 mil homens e observou uma relação entre o uso de mais de 20 prescrições e uma chance menor de desenvolver demência.
Apesar dos novos resultados serem robustos, Rui Daniel Prediger, pesquisador e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) diz que é preciso cautela. O especialista afirma que existem mais de 20 substâncias que mostram a mesma relação, mas nas últimas décadas apenas um novo tipo de medicamento, os anti-amiloides, foram aprovados no tratamento da doença. “Existe uma discrepância entre os estudos epidemiológicos e a capacidade da substância tratar a doença”, ressalta.
O sildenafil pertence à classe dos inibidores da fosfodiesterase tipo 5 (PDE5), uma enzima que atua no controle da ereção. Para além da disfunção erétil, o composto também é capaz de relaxar a parede das artérias e pode ser usado no tratamento de pressão arterial pulmonar, estando presente na composição do Revatil. Existem outros inibidores de PDE5 com efeitos similares, como o tadalafil (Cialis) e o vardenafil (Levitra).
Ainda não está clara a relação entre o uso desses inibidores e a proteção do cérebro contra demências. Algumas pesquisas preliminares mostraram que essas substâncias podem promover o aumento de um composto intermediário, um nucleotídeo chamado monofosfato de guanosina cíclico (cGMP), capaz de beneficiar a memória. Estudos em camundongos confirmaram esses efeitos, mas ainda não se sabe se o mesmo mecanismo acontece em seres humanos.
Até agora, as evidências científicas eram contraditórias. Mas o novo estudo, que envolveu mais de 200 mil participantes, traz resultados mais robustos que os anteriores e revela que há correlação entre drogas como o sildenafil e a neuroproteção contra Alzheimer. Para realizar essa pesquisa, foram utilizados dados de uma coorte britânica coletados entre os anos 2000 e 2017.
Para mensurar o uso de remédios para disfunção erétil, os cientistas usaram o número de prescrições recebidas pelos pacientes –após 2018 o sildenafil passou a ser vendido sem receita na Inglaterra– e os diagnósticos clínicos de Alzheimer. Para cada 10 mil participantes, os resultados mostram que por ano 8 pessoas em tratamento para disfunção erétil tiveram diagnóstico de Alzheimer contra 10 que não receberam prescrição de inibidores de PDE5.
Agrupando os homens que tomaram sildenafil por quantidade de receitas recebidas, entretanto, os pesquisadores viram que só houve redução dos casos de Alzheimer entre aqueles que obtiveram mais de 20 receitas em um intervalo de 5 anos. Números menores do que esse não levaram à redução dos casos de Alzheimer.
O trabalho de investigação, entretanto, tem várias limitações. Em primeiro lugar, se baseou nas prescrições emitidas pelos médicos, mas não confirmou se os pacientes de fato chegaram a realizar o tratamento. Em segundo, os diagnósticos de Alzheimer foram feitos na atenção primária, sem o auxílio de análises laboratoriais, e não refletem o número real de casos. Apesar disso, os pesquisadores levaram em conta a margem de erro e afirmam, no trabalho, que a detecção clínica da doença tem grande acurácia.
Para determinar a eficiência do medicamento, os responsáveis pela pesquisa ressaltam que ainda são necessários estudos clínicos, com doses pré-definidas, ensaios randomizados e uso de placebo. Eles também destacam que é preciso identificar a melhor fase da doença para dar início a um tratamento e devem ser estudados os efeitos sobre as mulheres.
Outras pesquisas corroboram os resultados dos cientistas americanos. No final do ano passado um estudo publicado na Plos One analisou os prontuários médicos de pacientes com mais de 65 anos e com quadros que permitem o uso de inibidores de PDE5 nos EUA, isto é, disfunção erétil, hiperplasia prostática benigna e hipertensão pulmonar. A metodologia usada, portanto, permitiu a inclusão de um pequeno número de mulheres na investigação.
Após levantar os dados, os pesquisadores compararam participantes com Alzheimer e demências relacionadas com grupos controles e viram uma redução de casos entre aqueles que possivelmente faziam tratamento com sildenafil ou tadalafil. Entretanto, assim como o estudo anterior, a pesquisa também tem limitações que precisam ser contornadas no futuro. Entre elas, a falta de randomização dos pacientes que receberam ou não o medicamento. Para isso, os cientistas recomendam a realização de estudos clínicos de fase 3.
Outro artigo científico publicado na revista Alzheimer’s & Dementia faz um levantamento dos trabalhos de investigação concluídos sobre essas drogas e também conclui que os inibidores de PDE5 merecem estudos adicionais que comprovem sua eficácia na prevenção do Alzheimer. Segundo os autores, existem evidências suficientes que sustentem essa hipótese, mas ainda faltam pesquisas em seres humanos que justifiquem esse tipo prescrição médica.
Einstein Camargo, geriatra e pesquisador da UnB, lembra que existem medidas mais seguras e confiáveis que podem garantir um envelhecimento saudável. Assim como outras demências, o Alzheimer é uma doença multifatorial que sofre influência de componentes genéticos, mas os primeiros sintomas podem ser atrasados com medidas simples, como melhora do nível de escolaridade, estímulo intelectual, combate ao estresse, boa vida social e melhoria do sono.
Com informações do Bahia Notícias