Saiba o que é o mode, novo distúrbio alimentar de obsessão por músculos

Com poucos cliques nas redes sociais, já é possível encontrar uma variedade de receitas que prometem ajudar no ganho de massa muscular. A facilidade para encontrar essas dietas e orientações tem favorecido, cada vez mais, o surgimento de uma síndrome chamada de mode, do inglês “Muscle-Oriented Disordered Eating” – que, em tradução livre, quer dizer “Alimentação desordenada orientada para os músculos”. O termo se refere a um conjunto de hábitos alimentares desorganizados motivados por um foco excessivo no ganho de massa muscular magra.
Diferente da anorexia, o mode está associado à obsessão pela hipertrofia e envolve comportamentos como dietas hiper-restritivas, consumo excessivo de proteínas e suplementos, controle rígido de calorias e, em muitos casos, o uso de anabolizantes.
A médica do esporte e ortopedista Ana Paula Simões afirma que o mode é um padrão de comportamento alimentar patológico. Ela explica as principais características do transtorno.
“As pessoas com mode criam regras muito rígidas para a alimentação, com foco excessivo na ingestão de proteínas. Elas costumam seguir horários fixos para comer, optam por refeições líquidas e, muitas vezes, adotam estratégias como primeiro ganhar peso e, depois, fazer um corte calórico. Além disso, é comum o uso compulsivo de suplementos e, infelizmente, na maioria dos casos, o uso de esteroides anabolizantes”, detalha.
Consequências na saúde
A enfermeira Ingrid Mila começou a apresentar os sintomas do mode na busca pelo corpo considerado ideal por ela. Nas redes sociais, encontrava vídeos e dicas sobre como ganhar massa muscular e alcançar o “shape”. Mas, além de não ver os resultados esperados, ela enfrentou complicações de saúde.
“Eu queria ganhar massa, porque foi quando comecei a treinar. E eu treinava pesado. Vi na internet que, pra isso, eu precisava comer muita proteína e bater meta. No Instagram, sempre aparecia um profissional, mas ele não era formado. Só que eu via que ele mostrava muitos resultados, pelo menos nas artes que postava. E eu comecei a seguir o que ele falava. Essa dieta louca que eu fiz na época me fez muito mal. Comecei a me sentir muito fraca, com queda de pressão de manhã. Era como se eu tivesse picos de hipoglicemia. Me sentia nauseada, o corpo fraco, sem energia”, lembra.
A especialista em nutrição esportiva Lívia Garcia Nunes alerta que dietas muito restritivas, como as adotadas por pessoas com foco excessivo em ganho de massa muscular, podem favorecer o surgimento de diversas doenças.
“Pode haver uma sobrecarga nos rins, especialmente em quem já tem predisposição a desenvolver doenças renais. O uso de suplementos sem necessidade e sem orientação profissional também pode causar desequilíbrios nutricionais, além de mascarar maus hábitos alimentares. É muito comum vermos pessoas que se alimentam mal, quase não comem nada, mas tomam 10, 20, até 30 cápsulas de suplementos por dia, acreditando que isso é saudável. Há impactos hormonais, risco de infertilidade, alterações psiquiátricas, como agressividade, ansiedade e depressão, além do aumento no risco de doenças cardiovasculares”, explica.
O arquiteto Youssef Mauad buscava o ganho de massa muscular a qualquer custo, e sem acompanhamento profissional. Hoje, com treinos orientados e uma dieta elaborada por nutricionista, ele abandonou a ideia de usar anabolizantes e alcançou os resultados esperados de forma saudável.
“Até então, eu nunca tinha consultado uma nutricionista. Achava que bastava fazer exercício e comer o que quisesse, mas não é bem assim. Uma boa nutrição pesa muito mais no resultado final do que o exercício sozinho. Nunca cheguei a usar anabolizante, mas pensei nisso umas três vezes. Perguntei para minha nutricionista e ela me explicou que isso teria um custo. Então, desisti. Hoje, depois de todo esse processo, minha relação com meu corpo mudou. Sou literalmente outra pessoa”, comenta.
Saúde mental
As complicações desse distúrbio não são apenas físicas, mas também mentais. O psiquiatra Rodrigo Huguet, coordenador de um ambulatório de transtornos alimentares, explica que um dos principais sinais de alerta surge quando a pessoa começa a atribuir um valor excessivo à aparência física.
“É preciso atenção quando a pessoa passam a dar muito valor ao próprio físico, à força, à magreza. Esse é um caminho que pode levar a um transtorno alimentar ou a outros tipos de sofrimento psíquico. Isso não é realista. O nosso valor pessoal está relacionado a muitas outras coisas: nossa capacidade de amar, de se relacionar, de contribuir com a sociedade, de trabalhar, de ser um bom pai ou uma boa mãe. Ser forte ou fraco não é o mais importante. Quando a pessoa passa a definir o próprio valor apenas por essas características físicas, isso se torna perigoso, um fator de risco para transtornos e sofrimento. E se ela está sofrendo, seja por questões psicológicas ou comportamentais, deve procurar ajuda”, afirma.
Especialistas reforçam que o tratamento para a obsessão pela hipertrofia muscular com dietas hiper-restritivas deve envolver uma equipe multidisciplinar, com acompanhamento de nutricionista, psicólogo, endocrinologista, psiquiatra e educador físico.
Informações CNN